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Um hino no cabaré

Como acontece hoje em alguns países, também os cabarés porto-alegrenses foram desregulamentados, digamos assim, na segunda metade dos anos 70. Surgiram e se multiplicaram as casas de “massagem” com garotas de programa.

O clima de romance embalado por tangos e boleros deu lugar ao fast-food. Serviço rápido e mal feito, no entender de um antigo gigolô.

Na transição, surgiram casas discretas, que funcionavam apenas à tarde até o fim do dia. Na época, o endereço era sussurrado boca a boca.

Um deles ficava em um prédio de escritórios no Calçadão. Na Rua da Praia, perto da esquina com a General Câmara, instalou-se uma casa destas no último andar.

Porta fechada, abria só depois de alguém espiar pelo olho mágico. Havia um leve odor de perfume, e o som da música mecânica transpirava porta afora.

Certa tarde, um advogado e um livre atirador do mercado de ações foram conferir o local. Depois de um par de horas saíram do improvisado lupanar, chamaram o elevador.

Quando ele parou e a porta se abriu, viram uma velhinha brejeira procurando sabe-se lá o quê. A música estava anormalmente alta.

– Acho que errei o andar. Vou ter que descer para me informar onde fica o escritório do meu advogado – falou ela.

 A dupla juntou-se à velhota, à espera que o vagaroso equipamento fechasse as portas. Ele espichou o ouvido.

– Como é que pode ter música tão alta em escritório? Mas é tão bonita…

Como era hora de fazer a má ação do dia, o advogado se apressou em explicar.

– Não é escritório, minha senhora, é um templo. É música religiosa que eles cantam em louvor ao Senhor.

 Ao ouvir isso, o rosto da velhota se iluminou e ela mudou a rota. Quando a porta começava a fechar ela se enfiou pela brecha sustando o movimento.

Em seguida foi direto para a porta do pecado. Segurando a gargalhada, os dois escoteiros da maldade foram ao térreo, onde esperaram para ver a velhinha descer.

Depois de algum tempo, a velhinha estava desconcertada. Ao ver os dois, falou.

–  Nunca vi uma igreja com mulheres tão jovens e com trajes menores. Hoje não há mais respeito por nada. Saí logo. Mas a música era tão bonita…  

Fernando Albrecht

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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