Há exatos 50 anos, o Brasil foi sacudido pelo suicídio do presidente Getúlio Vargas e consequente quebra-quebra generalizado pela multidão enfurecida – parte – enquanto outra pode ser definida como adepta do shadenfreude, palavra alemã que significa alegria pela destruição. O próprio Getúlio era um ser bivalente, tanto que criou o PSD (liberal) e PTB (trabalhista, de esquerda) ao mesmo tempo.
Tudo que cheirasse aos Estados Unidos foi saqueado, quebrado ou incendiado, Caso da Importadora Americana de Porto Alegre, que era nacional e só importava carros dos EUA.
Foram anos de ódio aos americanos. GG, como era chamado, criou a ditadura do Estado Novo em 1939. Usou de forte repressão, comandada pelo Chefe de Polícia, a todos que ele achava inimigos do regime.
Apeado do poder em 1945, foi eleito no pós- II Guerra Mundial, até que o governo foi assaltado por aventureiros e corruptos. O que foi denominado Mar de Lama.
As denúncias eram tantas que chegariam a ele, fatalmente. Embora ele não pudesse ser rotulado de corrupto no sentido de hoje.
Oculto ou terrível?
Criou-se a lenda que na carta-testamento ele teria denunciado “forças ocultas”. Mas nada mais falso, ele falou em “forças terríveis”. Como tantas outras posições e atos, Getúlio tinha várias facetas. A tal ponto que ficava difícil até a dizer qual era o Getúlio real.
Há inúmeros episódios que ilustram esse lado da sua personalidade, além da criação de dois partidos opostos. Criou a Revolução de 1930 a pretexto de restaurar a Federação, a destruiu.
Tanto que, a seu mando, sua filha Alzira organizou a queima das bandeiras do Estado em 1939. Episódio ocorrido em São Paulo.
Quer dizer, nada de federação e viva o governo central. No quesito dos prós, credita-se a ele o início do Brasil moderno com a criação da Cia. Siderúrgica Nacional (CSN), entre outras.
O anjo protetor
Mas era um sujeito afável, misturava-se ao povo embora protegido pelo seu fiel guarda-costas, Gregório Fortunato, apelidado pela imprensa de Anjo Negro. Foi ele o responsável pelo Mar de Lama.
Foi preso e morreu assassinado no presídio. Gregório cuidava até do penteado do chefe, tinha sempre um pente à mão.
A dualidade do doutor Getúlio
Outro episódio controverso ocorreu quando ele era apenas advogado. O Rio Grande do Sul tinha um banco poderoso, o Banco Pelotense, no tempo em que a solidez de uma instituição media-se pelo patrimônio imobiliário.
Espalhou-se um boato que o banco estava inadimplente, o que gerou corrida em massa para retirada dos depósitos. Segundo um escritor de sobrenome Letti, Getúlio teria percorrido as praças (até em Ponta Grossa (PR) havia uma filial) para acalmar os correntistas.
Porém, ao mesmo tempo em que dizia que o banco estava sólido, afirmava que sua família tinha tirado todo o dinheiro do Pelotense.
Razão de dois
Um outro episódio meia verdade, meia mentira, mostrou bem essa personalidade ambígua. Estava ele no gabinete no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, tendo ao lado sua esposa, dona Darcy. Em dado momento irrompeu na sala João Alberto, aliado na Revolução de 1930, visivelmente irritado.
– Doutor Getúlio, tive uma discussão com o João Neves e acabei dando-lhe uma bofetada.
E contou o caso como o caso foi. Ao final, Getúlio deu o veredicto.
– Tens toda a razão.
Uma hora depois, entrou João Neves da Fontoura, que mais tarde de amigo passou a adversário, notável tribuno nascido em Cachoeira do Sul. Com escoriações no rosto, explicou para o chefe que João Alberto tinha lhe dado uma bofetada. Assim, contou como fora a discussão, que culminou com a violência.
Getúlio ouviu, ruminou os fatos e ao final disse o seguinte.
– Tens toda razão.
Depois que ele saiu, Darcy tomou a palavra.
– Mas querido, você deu razão aos dois!
E getúlio:
– Tens toda razão.