Já contei que um dos períodos mais felizes da minha vida foi quando eu não dormia mais que três ou quatro horas por dia. Faculdade de manhã, banco à tarde, e Zero Hora das 23h até 7 da manhã, quando eu reiniciava o ciclo. Não que os salários fossem monstruosos. No entanto, tudo era encarado como o Hulk encara um tanque quando arrostado.
Uma coisa daquele tempo ainda não consegui completar para encher o baú das lembranças. Eu morava na Duque de Caxias, 533, segundo andar. Era feliz no meu humilde tugúrio, especialmente quando chovia e me punha na microssacada para olhar os molhados paralelepípedos seculares. Eram perfeitamente alinhados, divididos pelos trilhos do bonde, refletindo a luz que vinha das lâmpadas dos postes. Então, eu ficava como uma criança vendo desenho animado pela primeira vez.
Ocorre que, nos domingos à noite, horas antes de ir para a redação da Zero Hora, na rua Sete de Setembro, um programa de música erudita da rádio da Universidade tocava uma vinheta. A melodia completava o quadro, assim como o queijo e a goiabada se completam no doce e nas tábuas Romeu e Julieta. Era linda, acalmava e comovia.
Claro que eu sabia quem era. Porém, nos anos seguintes, eu esqueci. Pensei que fosse Mozart, depois achei que era um dos italianos, em vão.
Até hoje estou à procura daquela melodia perdida. Sei cantarolá-la, assobiá-la em parte. Mas nunca a achei nem com o aplicativo Shazam. Preciso achá-la, eu preciso achá-la. Achá-la.