Foi na manhã do dia 16 de outubro de 1968, uma quarta-feira, que minha vida começou a mudar. Então, o jornalismo entrou no meu sangue. Estava tomando um café no intervalo da aula do Curso de Jornalismo da UFRGS, quando o colega de aula Ademar Vargas de Freitas me puxou pelo braço.
– Alemão, tem uma vaga para repórter da madrugada na Zero Hora. É puxado, perigoso, vais ter que escrever sobre criminosos sem nenhuma retaguarda. Posso sugerir teu nome?
O Ademar era copidesque da ZH. Já o Vilmo Medeiros chefiava a reportagem policial. À tardinha saí do banco – eu era assessor da gerência da matriz do Banco da Província, na esquina da Sete de Setembro com a Uruguai – e fui ao Vilmo.
Na época, o jornal era do jornalista Ary de Carvalho. A redação ficava na Sete de Setembro e a oficina na Luiz Afonso, Cidade Baixa. Gentil como uma retroescavadeira com soluços, o Gordo me adiantou que eu não teria moleza.
– Um mês de experiência. É boca braba, o salário é baixo, são seis horas, mas sempre viram oito, finais de semana plantão em dobro e no domingo à noite tudo recomeça. Encaras?
– Sim, eu disse.
Saí de lá cantarolando Hey Jude, grande sucesso na época. Tenho certeza porque, quando cruzei a Borges de Medeiros com a Rua da Praia, algum alto-falante tocava a música dos Beatles, uma feliz coincidência.
No dia seguinte é que me dei conta do tamanho da bronca. Eu tinha faculdade de manhã, banco das 12h30min às 18h45 min (bancos não funcionavam de manhã na época), poderia dormir duas ou três horas. No entanto, às 23h tinha que estar na redação, de onde só sairia por volta das 7h. E dali direto para a faculdade.
Eu era um fio, pesava só 62 quilos. Engolia café e comia bolo mata-fome (um tijolo feito de restos de bolos e doces), tomava um litro de leite na garrafa, comida decente só de vez em quando. Nos finais de semana, eu me dava ao luxo de tomar dois ou três chopes. E não mais que isso porque eu dormia na mesa do bar, de tão cansado e sonolento que ficava.
O garçom Blanco, do Stylo’s Bar, na Independência com Garibaldi, cansou de me acordar quando o estabelecimento fechava. Já meus amigos ficavam com pena e me deixavam dormir com a cabeça recostada na mesa quando iam embora. Quando ouço Hey Jude, sou transportado para outubro de 1968.