Muito em breve, vou me despedir desta vida. E também do meu patrão, praticamente meu dono. Sirvo-o desde que me conheço.
Juntos, comemos o pão que o diabo amassou. No frio ou no calor, lá estava eu sempre pronto para servi-lo.
Quando eu ficava doente, ele me levava para fazer tratamento. Então, disso não posso me queixar. Ele sempre cuidou da minha saúde, sejamos justos.
Mas tudo mudou. Nos últimos tempos, adoeci de vez. Então chegou a um ponto que não consegui mais esconder meu drama. O fim estava próximo, no final das contas – e bota fim nisso.
Não fará tanta falta assim, me consolei. Afinal, a vida continuará depois que eu deixar este vale de lágrimas.
Nestes poucos dias que me restam até o fim, quero apenas que me deixem em paz. Não desejo mais que me apliquem injeções dolorosas. Até porque deixei de sentir dor há um bom tempo. Parto sem dor, hahaha, que grande trocadilho sem graça como são todos.
Nada de choradeira, meus irmãos, dos quais também me despeço. Somos uma família grande, tenho muitos e sempre fomos muito unidos. Peço aos manos que não me acompanhem até a última morada.
Tive uma vida razoável, no fim das contas. E sempre trabalhei duro. Se há algo que posso me queixar é que nunca tive visibilidade, ao contrário do meu patrão. Eu nasci para ser humilde, praticamente invisível, mas sempre prestei bom serviço. Um dos meus orgulhos é que raramente faltei ao serviço, salvo as poucas vezes que fiquei adoentado.
Mas assim é a vida neste vale de lágrimas. Os especialistas que me tratam me chamam de paciente número 27. Na realidade, chegamos a um acordo: me submeterei à eutanásia. Melhor assim.
Agradeço o desvelo dos doutores Caio e Gabriela Selaimen, que tudo fizeram para tentar me salvar e amenizar meu sofrimento.
Meu nome? Sou o Segundo Molar do jornalista Fernando Albrecht. Mais conhecido como o dente 27.