Search

A Noite dos Pálidos

Final de 1966. Antes de entrar para valer no jornalismo, eu fui assistente da gerência da casa matriz de um grande banco gaúcho, o Província.

O prédio existe até hoje, na esquina das ruas Uruguai com Sete de Setembro, hoje Santander. Foi o primeiro do Estado a contar com escadas rolantes. Mármore de Carrara em boa parte dos andares, cobrindo chão, paredes e banheiros.

Digno do Velho Jequitibá, como era conhecido. Foi comprado pelo Montepio da Família Militar (MFM), virou Sulbrasileiro. E o resto vocês conhecem, foi tudo para o saco.

Foi por esta época que abriu o que seria a primeira uisqueria de Porto Alegre, o George ‘s, no início da Cristóvão Colombo, perto da Barros Cassal. Eu nem me atrevia a entrar, porque sabíamos todos que o valor das bebidas era altíssimo.

E, naquele tempo, até o uísque nacional era caro. Já o importado era caríssimo, na altura da estação espacial. Umas 20 vezes, no mínimo, o preço de hoje.

Certa noite de 1966, um dos gerentes do Província, Darcy Pinho Bandeira, convidou-me para ir ao George’s, juntamente com um grande fazendeiro do Alegrete, o major Pedro Olímpio Pires. Também foi outro estancieiro do Quaraí, cujo nome me escapa.

O nome vem do tupi-guarani e significa Rio das Garças ou Rio do Sol. Achei que, com tanta gente abonada na mesa, eu finalmente beberia o néctar sem me preocupar com a dolorosa. Sentamos e, em seguida, o major pediu o melhor uísque da casa. Do melhor, repetiu. O que equivale ao mais caro.

O garçom depositou respeitosamente na mesa uma garrafa dentro de um veludo preto, onde estava escrito Royal Salute. Fiquei sabendo depois, era o Chivas Regal envelhecido por dezenas de anos, envolto em veludo azul.

Ninguém perguntou o preço e então fomos todos para Pasárgada. Mortais comuns só bebiam uísque nacional no Carnaval rachado por três ou quatro pelados como a gente.

Porém – e sempre tem um – não bebi lá muito sossegado. Imaginei que aquilo custava os tubos. Pensei: e se, ao final, o major vier com a terrível frase “racha por quatro”? Hora de ir embora, uma garrafa depois, veio a dolorosa, um coice.

O major falou em rachar por quatro, mas só essa hipótese me deixou pálido. Felizmente, o major resolveu pagar tudo.

Foi o suspiro de alívio mais longo da história.

Fernando Albrecht

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

Deixe sua opinião

Publicidade

Publicidade

espaço livre