A oportunidade como chargista aconteceu em 1957, a convite do jornalista Roberto Eduardo Xavier. “Foi a minha sorte”, revela na entrevista ao Correio do Povo, “me dei muito bem na Caldas Júnior. Passei a ter tempo para fazer escultura, que era aquilo que realmente me interessava”. Mas entre A Hora e a Folha Esportiva, o jornal da Caldas Júnior onde se tornou chargista, houve um pequeno intervalo longe das redações.
Xico contou a Ney Gastal que pediu demissão de A Hora “quando houve uma briga entre o grupo. Fui para a Acessórios São João, pintar cartazes”. Del Mese lembra bem dessa fase: “Ele pintava frases do tipo ‘partes para todos os carros para carros de todas as partes’ e os freios, as ofertas, etc. Naquela época fez um barracão ao lado da casa na rua Pelotas, para fazer suas esculturas”.
Com “extraordinária facilidade para fazer charges”, como diz Del Mese, Xico fez humor, ironia e crítica sobre esporte, cultura, sociedade, política. Qualquer tema.
Gremista, fez uma charge antológica quando o Internacional lançou a venda de cadeiras cativas no futuro estádio Beira-Rio, assunto que Marco Aurélio, da Zero Hora, aborda no depoimento especial que mandou aqui para a Press.
Mas o tempo que sobrava para esculpir começou a dar bons resultados. Naquela época, Flávio Del Mese trabalhava na indústria de automóveis e testemunhou o sucesso de Xico artista: “Ele fez uma exposição e descobriu que sua obra era vendável”. Em outra exposição, completa Del Mese, “o empresário Severo Gomes comprou todas as obras dele” no aeroporto mesmo. Azar do jornalismo. Porque cada vez tinha mais convite para exposições, mais obras a fazer, menos tempo para a redação: “Sempre tinha liberdade para viajar com minhas exposições, saía quando precisava. Até que chegou o momento, lá por 1970, em que já não precisava mais trabalhar em jornal. Mas gostava, então ia ficando”. Ficou mais dois anos: sua última charge foi publicada em 1° de setembro de 1972, na Folha da Manhã: um japonês visita o prefeito Telmo Thompson Flores sobre uma discussão do momento: um aerotrem para Porto Alegre.
O surdo que escutava
Xico, como Aleijadinho, Steve Wonder e outros gênios, tinha uma deficiência. Escutava pouco e, como Beethoven, “compôs” suas obras “escutando”, tenho certeza que ouvia, o tilintar das batidas nos metais de suas esculturas e o barulho do lápis sobre o papel que riscava. Como chargista, infelizmente, não quero me aprofundar neste outro tipo de arte na qual também foi brilhante. A obra que o consagrou foi “Boia Cativa”, gozando o meu colorado. Xico, por aquela charge merecias uma Copa do Mundo. Foste um “guerreiro” com alma e coração que lutou até o fim.
Marco Aurélio, chargista de Zero Hora
Obs minha: Para que ele não se vire na cova, ele era colorado, c-o-l-o-r-a-d-o.
Melhor amigo que se pode ter
O Xico gostava de usar calças de brim, camisas xadrez e suspensórios. Uma vez fomos ao Chile, no governo Allende, e ele, branco como era, loiro avermelhado, vestido daquele jeito e umas botas que ele havia trazido do Texas, parecia um americano. Os ânimos andavam acirrados contra os Estados Unidos e, nos bares, sempre havia discussões, palavrões gritados e ofensas que o Xico não ouvia. Só não apanhamos porque eu falo espanhol com a fluência de quem morou lá quando jovem e uma boa dose de lunfardo (gíria) e conseguia explicar tudo. Mas o Xico quando soube trocou de roupa e fomos para a Ilha de Páscoa.
Ele sempre encarou tudo de frente, tinha fome de viver. Foi um dos melhores amigos que alguém pode ter.
Flávio Del Mese, fotógrafo