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Saudade das urtigas

Há banhos de mar, banhos de rio, banhos de açude e banhos de arroio. O que o caracteriza é o pouco volume de água em relação ao seu irmão maior. Portanto menos largo e, em geral, menos fundo.

O meu arroio inesquecível foi o Forromeco, em São Vendelino. Não era apenas diversão, levava-se sabonete. Essa era a parte chata. Quando pequeno, na casa dos meus pais e, depois, adolescente na casa dos meus tios, o ritual era rigidamente cumprido.

Para começar, nunca íamos sozinhos, sempre havia um adulto a fim de cuidar da molecada. O segundo preceito pétreo era nunca tomar banho com sol a pino. Então, só lá pelas 17h tínhamos a alforria aquática.

Terceiro, o banho com sabonete usando esponja, não como a que conhecemos, mas a esponja vegetal. Era boa para tirar o cascão da planta dos pés. Isso feito, banho à vontade até começar e escurecer. Ia-se no trecho do arroio na represa ou no moinho, que era mais perto.

Outra condição prévia era de só entrar na água pelo menos três horas depois da refeição, exceção das frutas e, dentro delas, exceção à melancia. Podia dar “congestã”, como se dizia.

O orgulho maior era escolher um lugar que tivesse um barranco mais alto ou pedra para dar “uma ponta”, um mergulho. Nas férias de verão, vinham primos.

Então, queríamos mostrar a eles como éramos bons em ”dar pontas” de uma aterrorizante altura de um metro. Era a glória. Com o canto do olho a gente espiava as primas para ver se dali sairia uma paixão Romeu & Julieta.

Uma segunda maneira de conquistar corações e mentes das priminhas era cruzar o arroio a nado, que, nas condições de temperatura e pressão daquela idade, parecia atravessar o Amazonas. Uma terceira, era ficar o quanto se pudesse debaixo d’água, sentado no leito pedregoso tapando o nariz para não entrar água.

Certa vez, fiquei inacreditáveis 20 segundos no fundo do Forromeco. Achei que fossem. Mas meu primo Rui disse que não foram nem 10. Como nenhum de nós tinha relógio, acreditei na ironia do primo ao ciúme doentio porque a priminha fazia olhinho para mim.

Findo o espetáculo molhado, rumamos para casa com uma fome dos diabos, passando antes pelo gramado na frente da casa do seu Inácio Schneider. A gente arrastava os pés para minimizar os efeitos dos espinhos das urtigas.

Na época, queria que elas desaparecessem. Hoje, nem sei se elas ainda existem. Quem diria, ter saudades das urtigas que queimam a planta dos pés…  

Fernando Albrecht

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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