Anos 1970. Um fotógrafo de um poderoso rotativo da Capital gaúcha começou a chamar a atenção de um fulgurante colunista social. Supostamente, como é moda de dizer hoje, porque era um rapaz espadaúdo, o D. Um Apolo, também supostamente.
Colunista social costumava escolher os fotógrafos para cobertura de eventos, obviamente noturnos. Vai daí que o olhar concupiscente do cronista o fez pensar numa forma de tê-lo para si só por algumas horas.
Então chegou a época do Baile Municipal, a festa maior do Carnaval. Um dia antes do evento, o jornalista entrou na sala da Fotografia e apontou o dedo para o ungido.
– Eu quero aquele ali para cobrir o baile!
As segundas intenções eram tão óbvias que viraram primeiras. D. esperneou e logo achou uma forma de cair fora dessa bronca. Mas também considerou o fato de que fotografar um baile desta importância melhora muito o currículo.
– Mas o baile exige roupa de gala, eu não tenho smoking, gravata borboleta, camisa, nem sapato apropriado eu tenho!
O colunista pulou na frente.
– Não tem problema. Passa lá em casa e te dou tudo isso que precisas, tenho um guarda-roupa inteiro à tua disposição.
Ele até queria reclamar, mas o chefe disse que teria que ser ele mesmo, ponto final. D. ficou amuado o resto do dia, pensando numa saída honrosa. Porque não ficaria bem para sua biografia, pensou. E esse povo fala pra caramba da vida alheia.
Pouco antes das 10h, passou na frente da casa do colunista e, em vez de tocar a campainha, pôs-se a chamar o dono da casa aos berros. Minutos depois, o colunista abriu a janela para ver quem era.
Então o D. gritou, mãos em concha na boca.
– Me atira só os sapatos, o resto eu consigo.
Pouco depois, um par de reluzentes sapatos sociais pretos voou e aterrissou na calçada. Em seguida, a janela foi fechada com um estrondo, que na língua das janelas significa extrema raiva. D. os apanhou e se mandou.
Nunca uma parceria entre fotógrafo e colunista foi tão breve como essa.