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Como tudo começou

– Alemão, tem uma vaga como repórter da madrugada na Zero Hora, queres a vaga?

Foi assim que comecei no jornalismo há 56 anos, completados ontem. Lembro perfeitamente. Estava saindo do bar do Centro Acadêmico da Faculdade de Filosofia da URGS e o colega Ademar Vargas de Freitas veio na minha direção disparando essa frase.

Não titubiei. No final do dia foi à redação de Zero Hora, na época na rua 7 de Setembro, Centro Histórico de Porto Alegre. Chegando lá me apresentei ao Chefe de Reportagem, Vilmo Medeiros.

Na época, o jornal pertencia ao jornalista carioca Ary de Carvalho, uma bela pessoa e grande profissional. Maurício e Jayme Sirotsky compraram a ZH. No entanto, somente tomaram o controle em março de 1970.

O salário não era lá essas coisas. Mas, com adicional noturno e horas extras, dava para brincar. Começava às 12h e ia até as 6h da manhã com plantão dobrado nos fins de semana. Dava para viverr, combinado com o que eu recebia como secretário da gerência da Matriz do Banco da Província. Hoje sede do Santander, na mesma rua esquina Uruguai.

O caso como o caso foi

O início como foca, iniciante – hoje não se usa mais a palavra – foi a descoberta de um novo mundo. Percorrer e telefonar para Delegacias de Polícia, Bombeiros, HPS tendo como QG o DPJ – Departamento da Polícia Judiciário no Palácio da Polícia, na avenida Ipiranga, onde se concentravam as delegacias de Trânsito, Furtos e Roubos e o delegado de plantão. Estava preparado com uma certa hostilidade, porque havia sido alertado.

No entanto, eu era jovem, cheio de confiança e tenência em fazer carreira no jornalismo, que venci os obstáculos. Soube depois que minha fama era de ser excelente repórter – na realidade eu era caxias ou CDF – e com um bom texto.

Um dia em dobro

Não foi fácil. Chegava na redação tipo 23h e largava por volta das 7h da manhã. Dali, saía correndo para a Faculdade de Jornalismo.

Comia um sanduíche ao meio-dia e tinha que estar no banco até 12h45. De lá, saía às 18h45min, porque na época os bancos só trabalhavam de tarde.

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Dormia duas horas se tanto e lá ia eu para o jornal. Nas sextas, sábados e domingos às seis horas dobravam quando de plantão.

Só folgava sexta e sábado uma vez por mês. Exigia preparo físico e alimentação precária, mas podem acreditar que eu era muito feliz no meu apê na rua Duque de Caxias, 533, segundo andar.

Do tiro à molotov

Nestes dois anos que fiquei como repórter, vivi experiências extraordinárias, conheci figuras do baixo mundo, bandidos impiedosos e perambulei por vilas e favelas e eventualmente pelos salões da alta sociedade. Como nem a Polícia Civil, nem a Brigada e nem os militares gostavam da orientação editorial, voltada à reportagem policial, fiz amigos e inimigos.

Certa madrugada, um bandido chamado Mina Velha passou com seu fusca e disparou um tiro justo quando entrava na redação. O furo na parede ficou anos ali.

https://cnabrasil.org.br/senar

Um ano depois, o mesmo bandido atirou um coquetel Molotov (garrafa com gasolina e pavio com ela encharcada) na viatura em que estávamos eu, o fotógrafo Sérgio Arnoud e o motorista Luismar quando tomávamos um café em bar na esquina com a rua Uruguai às 6h da manhã. Por sorte, quando as chamas beijavam a Rural Willys, o Luismar estava com a ré engatada. No susto, largou a embreagem de soco e o carro deu um pulo para trás.

Coisas da vida

Não se saía de experiências como esta clamando aos céus, nem deputado pedia CPI e muito menos o jornal nos dava seguranças ou folga até a poeira baixar. Não, senhores. Aquilo era considerado cavaco do ofício.

Em resumo, não havia espaço para churumelas. Toca em frente ou cai de banda. Foi o que eu fiz.

Devo dizer que a reportagem policial me propiciou lições extraordinárias de vida. Aprendi a pressentir perigos e ver o assassino atrás de um rosto inocente.

A linguagem corporal foi o legado que uso até hoje. O corpo fala mais do que a boca.

Um outro Brasil foi possível

Já escrevi sobre esse meu passado no blog. O que posso dizer é que o baixo salário em comparação com hoje era compensado pela redução de custos.

Custos fixos só a luz e o condomínio. Enquanto hoje se paga portaria, plano de saúde, seguro, banda larga. Sem contar que se troca de celular a cada xis anos, e por aí afora.

Mas o mais importante era a segurança. Nem sombra do que é hoje. Basta dizer que a maioria dos prédios, como o meu, mantinha a porta de entrada aberta de dia. E nem porteiro havia.

Podia-se voltar de madrugada varando bairros sem ter medo de assalto. Quanto isso vale?

Fernando Albrecht

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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