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Casca grossa

Nos anos 90 a companhia de ônibus da Carris lançou o projeto Poemas no Ônibus. Alguns autores realmente tinham o que dizer. Lembro particularmente de um poemeto livre era mais ou menos assim:

“Quando dormes/Cuspo no teu sono/Quando dormes/Amaldiçoo teu ser/Quando dormes/te desejo pesadelos/Quando acordas/Sou teu cão”.

Bonito, né? Eu achei.

Tem a ver com uma noite chuvosa dos anos 1970 no bar Rubaiyat, pertinho da Igreja da Consolação, São Paulo. Um amigo mineiro, nem sei que fim levou, o Ivan Carvalho Simões, contou a história do Casca Grossa entre uma dose e outra da polonesa Wyborowa. O Casca, contou Ivan, era o dono de um daqueles circos mambembes que se apresentavam nas pequenas cidades do interior.

Lona de caminhão, luz do efeito com gato da iluminação pública, um leão desdentado, um palhaço com uma bolinha de pingue-pongue no nariz, pintada com o esmalte de unha, e uma mulher barbuda com barba postiça. Que era a sua mulher e também a cozinheira do circo. Era tudo o que a casa oferecia.

 O Casca Grossa, disse o Ivan, fazia tudo no circo. Falava o “Distinto público” na abertura, estalava o chicote num pangaré que, nas horas vagas, tracionava a carroça do circo, jogava facas na mulher barbuda – sem a barba – amarrada numa mesa na vertical. Os pulsos dela estavam cheios de cicatrizes, por sinal.

Um dia, e sempre tem um, o Casca Grossa sumiu. Levou a lona, a carroça, o leão banguela, todo o circo, inclusive as panelas, cordas e caçambas. Só ficou ela, desarvorada, confusa, perdida, sem dinheiro. Condoídos, os moradores arrumaram um emprego de cozinheira no abrigo das freiras.

Passaram-se anos e anos, e vez por outra alguém se solidarizava com sua desgraça causada pelo fiadamãe. Ela sorria, tampava a panela, voltava-se para a pessoa e dizia sempre a mesma frase.

– O Casca Grossa é assim mesmo. Ele vai, mas vorta.

Fiquei quieto por algum tempo pensando na quantidade de mulheres de Cascas Grossas espalhadas por este mundo de Deus.

Em seguida fomos embora e descemos a rua Augusta a 120 quilômetros por hora, como na música de Erasmo Carlos.

Fernando Albrecht

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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