Search

Adeus, caligrafia

Poucos jovens sabem o que é realmente. No passado, a caligrafia era disciplina obrigatória no final do ensino fundamental e nos dois primeiros anos do ensino médio, então chamado de Ginasial.

A maioria a detestava. Eu, como nunca tive letra bonita, penava para preencher as linhas rígidas de um caderno especial, com demarcações para minúsculas e maiúsculas. Passam-se as décadas, e só o ensino fundamental ainda exige letras cursivas.

Imagino que, no início do ensino médio, esta disciplina não exista mais. O mundo caminha para a rápida eliminação de tudo quanto – na cabeça deles – é obsoleto e atrapalha a vida. 

Depois do ensino médio, a máquina de escrever se popularizou, embora não fossem baratas. O mais elementar dos empregos, como bancários, escritórios e área administrativa do comércio e indústria, exigia que o candidato à vaga soubesse escrever com os 10 dedos.

Mas eram aceitos os que usavam quatro ou seis – os polegares. Eram chamados jocosamente de “dedógrafos”. E eu fui um deles.

https://lp.banrisul.com.br/bdg/link/conta-digital.html?utm_source=fernando_albrecht&utm_medium=patrocinio&utm_campaign=conta-digital&utm_term=visibilidade&utm_content=escala_600x90px

Ocorre que alguns eram rápidos até com dois dedos, claro que não faziam sombra para datilografistas que usavam os 10 dedos. Havia cursos por toda a parte e davam diploma.

Bancário que não soubesse escrever rápido não tinha futuro na profissão. Idem escritórios de advocacia, por suposto.

O reinado das máquinas de escrever foi produzindo especialistas que eram muito rápidos com apenas 4 ou 6 dedos. Novamente, eu era um deles.

Nas redações dos jornais, a pressa era fundamental. Em alguns casos, existiam dois profissionais para corrigir os erros, os revisores e depois que surgiu a impressão offset, a impressão a frio, os datilógrafos de 10 que, por obrigação, deveriam ser rápidos e sem erros nos textos. 

Antes de todos eles, os jornais ainda usavam a impressão “a quente”, o que exigia que os textos escritos nas redações fossem convertidos em letras de chumbo para posterior impressão. Usava-se enormes máquinas de escrever de um metro de altura, cujo teclado normal produzia letras de chumbo derretido – lingotes ficavam em cima do forno – pouco antes do profissional acionar a tecla com a letra desejada.

www.brde.com.br

Em seguida, assim que os tipos de chumbo esfriaram, as linhas eram montadas em linha reta. Então, encaixadas no que podemos chamar de espelho da página a ser lida. 

Havia um inconveniente indesejável. O chumbo, símbolo químico Pb, do latim plumbum, tinha o ponto de fusão baixo, e no processo expelia vapores tóxicos, que se misturavam com o ar respirado nas oficinas. Com o tempo, os linotipistas ou mesmo jornalistas que trabalhavam em salas não isoladas contraíam uma doença chamada saturnismo, que entupiam artérias e conexões, ou janelas do coração com a aorta. 

Havia um antídoto meia-boca, o leite. Por isso, esse pessoal tinha que beber um litro de leite durante o trabalho e outro em casa, leite que era pago pelo dono do jornal. Mesmo assim, não era infalível.

Depois veio o computador. Mais adiante, as mensagens SMS pelo celular. E, hoje, já chegamos ao ponto de aplicativos que convertem em letras uma mensagem por voz.

São poucas as profissões que usam textos em letra cursiva. Entre eles os que são usados nos envelopes de convites como o de casamento. Mas mesmo estes já podem ser encomendados direto da gráfica.

Imagino que, em uma década, não teremos mais quem saiba caligrafia, a não ser como hobby. Serão como colecionadores de selos antigos, para deleite deles e de quem tem essa atração. 

https://cnabrasil.org.br/senar

Há uma piada antiga, dos anos 1960, quando as receitas médicas eram ilegíveis, e só balconistas experientes de farmácias sabiam traduzir. Quando o médico escrevia, só ele e Deus sabiam o que o texto dizia. Passada uma hora, nem Deus destrinchava os hieróglifos. Que foi como tudo começou.

Fernando Albrecht

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

Deixe sua opinião

Publicidade

Publicidade

espaço livre