A morte de Luis Fernando Verissimo trouxe à tona seus primeiros passos no jornalismo. No final dos anos 1960, ele fazia o Programinha, que tratava de bares e restaurantes, textos sem emoção, que Verissimo tornava atraentes com molduras de humor.
Ainda posso ver ele entregando as laudas para o Secretário de Redação. Mas eram as silenciosas madrugadas que me atraíam. Entrava na redação da ZH, na rua Sete de Setembro, por volta das 23h e saía às 7h rumo à Faculdade de Jornalismo.
Nestas horas silentes, a matraquear das máquinas de escrever silenciavam. Eu era o dono do mundo. Então, lembro da época quando elas foram executadas para dar lugar aos cliques dos computadores, era estranho não ouvi-las. Em parte, foram substituídas pelas loquazes caturritas de hospício falando todas ao mesmo tempo.
A fronteira entre noite e madrugada era o fim da última sessão de cinema, cerca de meia noite. As cortinas das vitrinas do exuberante comércio do Centro eram fechadas, era a hora em que os fantasmas batiam ponto.
A iluminação da rua consistia em lâmpadas comuns que, nas noites de nevoeiro, iluminavam mal e porcamente o meio fio. Mas para mim era reconfortante, transmitia um recado cálido, tipo o mundo não terminou.
O dono da Zero Hora na época era o grande jornalista carioca Ary de Carvalho, casado com uma exuberante carioca por quem todos suspiravam. Em vão, só quem levava era o maridão.
Eles moravam em uma casa modernosa na Vila Assunção. Para comemorar a mudança, convidou figuras da alta sociedade e autoridades a uma noite de comes e bebes.
Ao mostrar a casa para as visitas se fixou numa pequena piscina. Ao vê-la, o jornalista Carlos Coelho não perdoou.
– Mas, tem até uma sanguinha…
A dona da casa, dona Marlene, deu o troco. Ela não fazia prisioneiros.
– Coelho, essa tua dentadura nova ficou tão bem!
Quando eu voltava da ronda de delegacias distritais, batia as matérias e tentava cochilar por alguns minutos. No inverno, o frio era tanto que segui o conselho do carrinheiro Sim Senhor. Ou seja, despia a roupa, me enrolava em papel jornal e me vestia de novo.
Como travesseiro, uma pilha de jornais. Como cama, duas mesas juntas. Confesso que afanava um litro de leite em garrafa do minúsculo bar para não cochilar de estômago vazio.
Não furtei, expropriei. Tudo pelo social.