Foi assim que o Lenhada iniciou sua conversa na roda de cafezinho do Café Comercial:
– Ultimamente, tenho comprado muito discernimento. Acho que já tenho pelo menos uma dúzia.
O Nelson, que estava com a xícara nos lábios, interrompeu o cerimonial. O Lenhada, assim chamado porque costumava terminar suas frases eloquentes com um “É lenhadaaa!”, fosse qual fosse o assunto. Alguma coisa ou gíria que ouviu na infância, quem sabe, Lenhada não era lá de muitas letras.
– Como assim? Que história é essa de comprar discernimento? Coisa mais maluca!
– Maluca pra ti, o iguinorante – disse um ofendido Lenhada. Posso ser humirde, não ter estudo como tu, mas sou um ser humano, tá sabendo?
Ninguém na roda entendeu, até que chegou o Celso, que era caixa de um banco. Viu a cara de perplexidade da turma e quis saber o motivo. Explicaram.
– Ah, é isso? É que um dia o Lenhada garganteou que algum dia ainda seria um filósofo, desses de escrever livro e dar entrevista para jornal. Então eu falei que isso era impossível, que ele não tinha discernimento e que essa era mercadoria que não se comprava em farmácia.
E olhou a turma como olhar divertido.
– Só não sei onde ele comprou uma dúzia de discernimento. Ô Lenhada, onde foi que compraste?
– Pra mim eu arrumei, vocês que se virem. Não vou dar o mapa da mina para quem não tem um discernimento. – disse o rapaz, com olhar de desprezo para a plebe ignara.
Ficou por isso mesmo. Depois que o ofendido Lenhada abandonou a roda, um cara da mesa ao lado fez uma pergunta.
– O que é discernimento?