Faleceu, prestes a completar 80 anos, o advogado Luis Fernando Araújo Ehlers, o Lulu. Figura vastamente conhecida, tivemos uma amizade de 60 anos, que se iniciou nos bons tempos de Porto Alegre dos bares e boates que lotavam a avenida Independência na década de 1960.
O bar-chope foi uma instituição que era o diferencial de Porto Alegre, espaços variáveis, mas não grandes. Neles se formaram grupos de amigos da minha geração.
Quando bate o cansaço
Todas as circunstâncias nefastas do ser humano têm fases mesmo com fronteira tênue. Só as percebemos quando uma dá lugar às subsequentes.
O caso da enchente e a reação da população gaúcha mostra essa evolução, como uma onda no mar que acaba quebrando na praia. A primeira foi o susto com as águas. Depois veio a preocupação. Na terceira fase, veio o pânico ao ver a vida destroçada. Uma quarta é a perplexidade, por que eu, por que nós?
O processo
Nesse estágio, o cérebro tem dificuldade em processar o desastre. Então, busca como sair da adversidade sem antes dar uma pausa para ganhar tempo.
Uma vez feita a digestão do desastre, mesmo que parcial, vem a ansiedade para ver o que sobrou da sua vida e ganha-pão. Misericordiosamente, surge uma certa alegria em ver que as águas, no caso, vão baixando e se pensa agora vai, mesmo que ainda não.
Então tem a recaída da desesperança, apenas amenizada pela ajuda e alimentos. É hora do “graças a Deus!”.
Resignação e irritação
Neste estágio, surge a raiva por não ver a água baixar mesmo passado quase um mês. Inútil confortar com o argumento de que o Guaíba na enchente de 1941 levou 22 dias para voltar ao normal.
Para muitos, chega o momento da resignação, assim como um doente terminal aceita que sua hora está chegando e sem volta. A irritabilidade tem várias faces, e uma delas é a impaciência com congestionamentos levando o motorista a calcar a mão na buzina, mesmo sabendo que isso não fará a mínima diferença. Outras pessoas presas no mesmo congestionamento tendem a copiar o pioneiro das buzinadas.
A redação se cansa
O traço de união que liga a mídia e o comportamento individual e social se manifesta primeiro com o cansaço coletivo dos profissionais da imprensa. Já não há mais a excitação em transmitir as desventuras alheias.
O penúltimo sentimento é ficar farto com imagens e textos do seu mundo debaixo de água. Isso se resume numa frase tipo não quero mais saber, chega.
A horta da “barriga”
Do ponto de vista da imprensa em geral, começam a emergir mancadas, barrigas e informações equivocadas. Quem tem consciência da sua limitação fica chateado, quem não tem não tem jeito nem nunca terá. São produtos da sua época em que a profissionalização e curiosidade deu lugar às frases prontas e análises com o vírus do “achismo” sobre assuntos essencialmente técnicos.
Tudo sobre nada
Acrescente o pouco ou nenhum cuidado com a precisão da palavra escrita ou proferida já temos uma sopa indigesta, turbinada pela facilidade em pescar textos via a Inteligência Artificial (IA), que permite fazer um ou vários textos do tamanho que se quiser sobre Shakespeare sem mesmo saber quem ele foi e qual a importância do Bardo.
A cereja do bolo é misturar ideologia com informação. Para citar um caso concreto, o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, e o governador Eduardo Leite foram linchados sem direito de defesa.