Aqui vai mais um recuerdo do alegretense Luiz Odilon, contando como eram as ferrovias gaúchas no passado. Apenas para aduzir um comentário, até meados dos anos 1960 dos anos 1960 o Rio Grande do Sul também tinha uma estatal, a Viação Férrea do RGS (VFRGS), que utilizava nos anos 50 os mundialmente famosos e luxuosos vagões Pullman. Cansei de viajar para Montenegro, uma linha que passava por São Leopoldo, Capela de Santana, MNG e depois se ia pra Caxias. Foi para o espaço por causa da (a tola) opção pelo rodoviarismo e, sobretudo, porque era estatal. Mas essa já é outra história. Curtam o Luiz Odilon.
A empresa que explorava as ferrovias do Rio Grande do Sul, Rede Ferroviária Federal (RFFSA), teve muita força econômica, igualmente influência política. Sob sua proteção decolaram vários candidatos a cargos eletivos, dando força e usando o corporativismo interno, mais seus cúmplices e agradecidos votos para se eleger.
A importância da RFFSA era tão grande, que as radiações de greves na empresa paravam o Estado, e eram muito frequentes, com pleitos abusivos dos ferroviários, de costas quentes com o respaldo político que seu apoio eleitoral conseguia, uma mão lavando a outra, as duas destruindo a empresa.
Essas equivocadas ações acabaram sendo um tiro no pé. A organização entrou em agudo processo de autofagia, engolindo a si mesma, transformando-se na famélica criatura da hora da privatização, esvaída de todo poder passado, seja econômico, seja político.
Na prática, repetiu na vida real a velha fábula da galinha dos ovos de ouro, desvio comum na economia estatizada. A bola da vez é a Petrobras, verdade que nesta o leque de motivos é mais graúdo, abrangente e com corrupção institucionalizada.
Na década de 50, começou a aparecer, em nível nacional, um destes fenômenos eleitorais que, vez em quando, surgem no meio político, Jânio Quadros. Ele era um populista, extremamente exótico, na fala e aparência, também egocêntrico ao máximo, bom de voto no lugar certo; vereador, prefeito e governador de São Paulo em sequência rápida.
Para isto usou como escada política a boa atuação por onde passou, tornando-se franco favorito para suceder Juscelino Kubitscheck, com a vassoura como símbolo e o lema: Jânio vem aí.
Isto tudo mais propaganda maciça em todos os veículos de imprensa, com jingles de muita audiência então, como este que se ouvia toda hora:
“Varre, varre, varre, varre vassourinha
Varre, varre a bandalheira
O homem está cansado
De sofrer desta maneira
Jânio Quadros é a esperança
Deste povo abandonado”
Foi verdadeira avalanche eleitoral, pois prometia o paraíso para todo mundo, como bom demagogo não entregou e, pior, conforme todos sabem, renunciou, num ato até hoje discutido. A intenção nunca foi muito clara, não há certeza se o próprio Jânio sabia o que queria, ou foi efeito de “forças ocultas” engarrafadas.
Para mim, esses episódios acabaram benéficos, naquela primeira e única vez na vida que engajei-me em atividade política, também trabalhei para Fernando Ferrari candidato a vice-presidente. Tendo desilusão tal com os resultados que encerrei por aí a minha militância no setor. Fato bastante positivo, pois ganhei precioso tempo para outros afazeres. Política é para gente do ramo, nada contra, sou mesmo um admirador da atividade, não para incautos amadores como eu.
Entretanto, essa eleição, apesar da decepção do desenrolar posterior, trouxe-me ganhos financeiros significativos, por ter feito algumas apostas, como costume então, pegando o Jânio e dando a tropa. O valor acordado eram alguns centavos sobre diferença de sufrágios, e esta foi enorme, fora completamente do esperado, mais de milhão e meio de votos sobre o segundo colocado. Ganhei tanto dinheiro, que fiz redução para os contendores amigos, mas deu para passar 15 dias no Rio de Janeiro, passeio pago pelos adversários do Jânio.
Ele ganhou a eleição oportunisticamente na chapa da UDN, que também o usou, já que, na verdade, afinavam em muito pouco. Dentre os pontos de harmonia, ele queria ser presidente e ela, acima de tudo, visava derrotar o PTB, partido de João Goulart, que acabou ganhando a eleição para vice-presidente, eram escrutínios separados então. Meu candidato a vice, Fernando Ferrari, com sua Campanha das Mãos Limpas, chegou em terceiro, talvez o lema usado, ontem, como hoje, fosse inadequado.
Jânio prometia na campanha a mais radical moralização do serviço público, logo no início da gestão as ações foram neste sentido, o que colocou na alça de mira do Governo, aqui no Estado, a RFFSA a qual diziam que iriam pôr, literalmente, nos trilhos. Ainda mais, por causa da estreita ligação com o PTB, do qual eram filiados muitos daqueles políticos que fizeram carreira tendo a viação férrea como ponto de partida para sua carreira.
Bem nesta época, fins de fevereiro, certo dia fui à estação ferroviária as quatro da tarde, horário do “passageiro”, trem de transporte de viajantes. O dia era muito quente, como é normal nesta época do ano, para surpresa minha o estacionário trajava, além do uniforme com quepe, um sobretudo de lã e suava bastante. Vendo aquilo e achando muito estranha a sua indumentária, sendo ele meu amigo, indaguei-lhe:
– Mas tchê, tu não está com calor?
– Mas bah, respondeu, estou pegando fogo. Mas os homens, início governo Jânio, estão dando um duro danado, olha só a ordem de serviço que recebi.
Passou-me um papel timbrado da empresa, o qual trazia drástica ordem de serviço, determinando entre muitas outras coisas que:
“Os funcionários da RFFSA devem usar uniforme completo, sobretudo na hora do trem de passageiros”.