Quando a avenida Independência de Porto Alegre ainda tinha separação entre as pistas, um sujeito que o bairro apelidou de Frank Sinatra percorria o estreito levante cantando e gingando. Caminhava a passos largos até quase o final e depois voltava pela calçada da direita. Nunca o vimos cantar na descida, só na subida.
Não que fosse lá proprietário de grande voz para merecer a alcunha. Ela se deu porque ele usava um chapéu de aba estreita, moda nos anos 1960 no Brasil, principalmente porque Old Blue Eyes o usou por algum tempo, só não sei se antes ou depois de outro cantor de jazz de nomeada, Nat King Cole, nascido Nathaniel Adams Coles.
Estranha essa vida. O falso Frank Sinatra é lembrado até hoje pelos moradores mais antigos do bairro porque cantava mal e porcamente ao longo da avenida Independência.
– Mas tens certeza que ele cantava? Só lembro do andar gingado, não da sua voz.
Essa pergunta foi feita por um contemporâneo que morava no prédio da Indepê, como falávamos naqueles tempos. Me flagrei na dúvida. Será que eu criei a voz do andarilho só porque associei o chapéu do Frank a ele? Mistérios que a vã filosofia não explica.
Bem antes desse tempo, na segunda metade dos anos 1960, retiraram os trilhos dos bondes para asfaltar a avenida, que ficou com uma pista fechada para o trânsito. Certa madrugada, meu amigo Vignoli subia a avenida ao lado do poeta Mário Quintana. Caminhavam despreocupadamente na trilha da boemia quando um automóvel JK Alfa Romeo veio reto com os faróis acesos cegando a dupla. Vignoli pulou para o lado, o poeta estacou. Tentou focar o intruso e virou-se para o Vig.
– Quem é esse sujeito que nos fita com esses olhos esbugalhados?