As enchentes cíclicas no interior gaúcho geravam causos e mais causos. Na modorra das pequenas comunidades, viravam até matéria-prima para festivais de mentira contadas nos salões de barbeiros, como eram chamadas as barbearias.
Eu era gurizote e cortava o cabelo no salão do seu Pedro Vianna, em Montenegro. Quem pelava meu coco era o segundo em comando, como diziam os milicos. Não tinha como escapar: os pais mandavam cortar o cabelo tão rente que capava piolho deitado de bruços no couro cabeludo.
Pois bem. Estava eu sentadinho e quietinho na cadeira quando entrou alguém contando as últimas da enchente do Rio Caí. Como era proibido virar a cabeça para não atrapalhar o ás do corte zero, não deu para ver a cara do dito cujo. Ele contou vários episódios que amigos traziam do interior do município. No final, veio essa:
– Vocês sabem que a correnteza era tão forte que, na frente do Frigorífico Renner, eu vi uma laje de grés boiando, descendo o rio com um porco vivo montado nela!!!
Neste momento a máquina de cortar cabelo cortou meu cocuruto. Nem o barbeiro aguentou.