“…revelou que o cocheiro não tinha os dois molares, e que um dos dentes da comissão de frente estava cariado”
Na década de 1970 um grupo de pândegos porto-alegrenses a serviço do hedonismo e do bem comer contratou os serviços de especialistas no ramo, um batalhão precursor para ver se o restaurante ou bar estava à altura dos comensais, como os antigos batedores indígenas a soldo da cavalaria norte-americana. Alguns deles desenvolveram técnicas espetaculares. Um destes batedores, um publicitário local, incorporou um famoso índio batedor da tribo shoshone chamado Coceira no Fiofó, a serviço do Exército americano no século XIX. Incorporou o espírito mesmo, achou que era índio com direito a ÚÚÚ e gritos com a mão na boca.
Não estranhem o nome. Sabemos que os peles-vermelhas davam aos filhos o nome da primeira sensação ou visão na hora que a criança nascia. Voltando à vaca fria: o publicitário encabeça o grupo, que garimpa um cão quente autêntico. De tempos em tempos, o shoshone gaudério encostava a orelha no chão, pedia silêncio, e descrevia o estabelecimento em que iriam comer.
– Carrocinha, de alumínio reciclado… latinhas de Skol, não… Skin… salsicha uruguaia Cativelli… é gremista, ôba… molho de tomate paulista, cebola de José do Norte…
Para não deixar ponta solta na história do índio Coceira no Fiofó, seu espírito redivivo contou que o original morreu atropelado por uma diligência da Wells Fargo, em 25 de junho de 1876. Mesmo moribundo, forneceu a um alto oficial da cavalaria norte-americana a cor e idade dos cavalos e o retrato falado do cocheiro e até do vice-cocheiro. Mesmo nas vascas da agonia, conseguiu revelar que o cocheiro não tinha os dois molares, e que um dos dentes da comissão de frente estava cariado.
Infelizmente, o militar que colheu seu depoimento não conseguiu transmiti-lo à agência de detetives Pinkerton, porque morreu algumas horas depois, contou Fiofó II. O indigitado oficial chamava-se Custer, general George Armstrong Custer. Desde então, o espírito do shoshone Coceira no Fiofó atravessa as brumas do tempo à procura de alguém que precise dos seus serviços.
Nem sempre ele acerta. Da última vez, conduziu um grupo direto para uma carrocinha de churros.