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O carrinho do supermercado

 

“…Já quebrou até o tabel e agora quer outro…”

Sento na cadeira do engraxate. Ele coloca aqueles protetores laterais entre as meias e o calçado, abre sua gaveta de graxas e tintas e começa a trabalhar. Encostada numa parede está uma mulher que estava a conversar com ele, interrompi o papo ao sentar na cadeira. Depois da escovada para tirar a poeira superficial, retoma a prosa.

– Eu não entendi essa compra. Como tem gente burra nesse mundo, tu não concorda?

A mulher concorda.

– Pois eu falei pra ela, como tu me compra um celu de 160 real que tem menos recurso que o de cem?

Ele começa a passar a pasta. Fiquei imaginando quem seria a burra, filha, irmã, tia. Ou a vizinha? Vejo que está fumando, joga fora a bituca e se volta para o amigo.

– E não se toca mesmo. Já quebrou até o tabel e agora quer outro. Não vou dar! Nem tenho recurso pra essa gastança.

A filha, então. Só pode. O engraxate faz tsk tsk tsk com a língua encostada entre o céu da boca e os dentes depois e fala.

– De cravar essa. Celular que nem aitubo tem…

Credo digo eu. Sapatos reluzentes vou para a roda do cafezinho. Encontro o fotógrafo Ricardo Stricher que me conta uma boa que viu e ouviu no bric da Redenção. Dois vendedores discutem e um deles trucida o outro.

– Tu é muito do chinelão, cara! Tu não tem nem carrinho de supermercado!

Como eu sempre digo para a gurizada, vivendo e aprendendo.

Fernando Albrecht

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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