A procissão e festa de Nossa Senhora de Navegantes sempre atraiu multidões e, claro, políticos da ativa e da reserva que pretendiam voltar a jogar no time principal. Mesmo os ateus lá iam. Alguns de mãos postas, em feitio de oração, olhos voltados para o céu para impressionar o povão.
Navegantes também era uma festa pagã, com o binômio cachaça e melancia. Vinha gente de longe para comer melança. E, a pretexto de evitar congestã, as tendas ofereciam a marvada, cuja lenda rezava que auxiliava a digestão da melancia, que nunca gozou de boa fama nesse aspecto posto que celulose é.
Pois foi numa destas festas, no ano da Constituinte Estadual, em 1988, que a revoada de políticos foi mais intensa que nunca. A certa altura, um vereador tucano resolveu apresentá-la a um deputado com passado na guerrilha. Ela ficou encantada com o deputado, falando repetidamente como ele era simpático.
– Que cara boa o senhor tem! Vê-se logo quem é do bem, só olhando o rosto das pessoas.
Ao final do elogio, ela pediu que ele dissesse o que fazia além de ser político. E botou insistência nisso. No entanto, ele não respondia sobre seu passado.
Falou uma vez, o deputado ficou lisonjeado. Falou duas vezes, o deputado agradeceu, mas sem muito entusiasmo. Falou três vezes, e o homem já demonstrava alguma irritação. Ela falou quatro vezes, e o deputado – que era da esquerda barra pesada – chutou o pau da barraca.
– Olhe aqui, minha senhora, vou dizer o que eu fiz. Já botei bomba no quartel…
A velhinha endurece as feições.
-…assaltei alguns bancos à mão armada…
A idosa tremeu dos pés à cabeça.
-…expropriei o cofre cheio de dólares de um governador…
A essa altura, ela apontou o indicador para o rosto do deputado. Com voz trêmula, deu o veredicto.
– Eu logo vi que o senhor não prestava!
O mesmo ex-guerrilheiro teve que brigar pesado com uma organização terrorista que queria a sua parte do cofre. Mas essa já é outra história.