É em momentos ruins que muitos escritores e compositores encontram a criatividade que perderam em tempos de bonança. A música popular brasileira dos anos 1960 revelou novos compositores como Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso e outros. Nos anos 1980, com o retorno à democracia, a MPB foi lamentável em comparação com outras décadas.
Na música erudita, boa parte dos compositores criou obras-primas quando estavam em condições psicológicas lamentáveis. Na literatura, boa parte dos grandes mestres escreveu sob dores supremas de corpo e alma.
Não que eu queira me comparar com eles, longe disso. Mas, ao longo dos 56 anos de jornalismo, observei que a dor não só ensina a gemer como atiça a criatividade.
Há seis anos, tive um câncer e resolvi zombar dele. Na cama do hospital, ditei textos bem-humorados sobre minha situação, que chamaram atenção até de colunistas de jornais do Rio de Janeiro e São Paulo.
No geral, recebi cumprimentos a rodo por ter encarado a vicissitude sorrindo. Mais recentemente, quando tive uma infecção. Evito completar com “urinária” porque muita gente confunde com doença venérea, quando não tem nada a ver.
Quando soube do meu percalço, um amigo falou: “Mas como: Se tu não é dado à farras?”
Falo tudo isso porque vivemos um momento de dor extrema no Rio Grande do Sul, com essa catastrófica enchente, que ainda não terminou. Os vídeos de casas, animais, pontes e rodovias sendo arrastados pelas águas furiosas, são horripilantes.
Desta vez, não há bom humor que resista. Há até explicações para os efeitos da falta do sol, que fixa a vitamina E.
O resultado é sombrio, incluindo episódios de depressão em algumas pessoas. A falta de sol nos países nórdicos é uma das explicações pelo grande número de suicídios. No Alasca também é anormal os que desistem, incluindo adolescentes.
As águas da desesperança
Confesso que, apesar de calejado na profissão e acostumado com tragédias individuais e coletivas, os vídeos que circulam me deixam arrasado. E fico imaginando que eles, os desabrigados, terão uma segunda dor quando voltarem para suas casas, se é que elas ainda existam.
Tudo perdido, empregos, lavouras de subsistência, pequenos negócios, animais de estimação. Em muitos casos até a esperança se foi com as águas revoltas.